Uma
das ações conhecidas - popularmente - como sendo dos Fisioterapeutas é a utilização da "analgesia". Em termos simples, a "analgesia"
seria a utilização de recursos eletrotermofototerapêuticos (recursos que usem
estímulos elétricos, estímulos térmicos ou de luz) para conseguir uma
diminuição da dor que seria pré-requisito para se iniciar atividades como
exercícios e similares.
--- o que seriam os tratamentos da
analgesia? Tratamentos com TENS ("choquinho", também chamado de
"tensis"), Ultra-Som, Laser, Ondas Curtas e similares ---
Ou
seja, a realização de exercícios, fortalecimento, movimentação, etc, só seria
feita após se conseguir a diminuição da dor através da "analgesia".
Importante
salientar que o uso do termo "analgesia" é corriqueiro. Os
encaminhamentos de outros profissionais ao Fisioterapeuta
freqüentemente vêm com a "orientação" de "analgesia".
Será
seu uso correto? Será que, de fato, deve-se usar a "analgesia" no tratamento? Quão benéfica ela é? Será ela
imprescindível?
Vamos
questioná-lo usando, inicialmente, os conceitos
básicos de história natural das lesões e dores, efeitos inespecíficos dos
tratamentos e depois passaremos a uma análise das evidências científicas.
História Natural
História
Natural é, basicamente, o que acontece
se não fizermos nada. Aquela dor diminui, aumenta, cessa, continua?
Imagine
uma pessoa com dor lombar iniciada
recentemente. Vamos supor que tenha começado a uma semana atrás, e melhorou
pouco até agora. Daí, ela procura na internet, e descobre um tratamento que
promete ser milagroso. O tratamento é à base de casca de banana. Isso mesmo, casca de banana. A orientação é que se
coloque casca de banana na coluna lombar, na região das dores, com a pessoa
deitada de barriga para baixo, deixando por 10 minutos, 2 a 3 vezes por dia.
Mas
por quê casca de banana? O texto do
tratamento explica que "a região interna da casca de banana contém células
e microorganismos que contém propriedades antiinflamatórias, analgésicas e
antioxidantes, que ajudam na reparação dos tecidos e conseguem se deslocar
através da pele e dos músculos chegando à região que se machucou. Com isso
aceleram a diminuição da dor e ajudam no processo antinflamatório, facilitando
a cicatrização dos tecidos e deixando a coluna com o conforto que tinha
antes."
Pois
bem, o que acontece se, de fato, esse tratamento for realizado numa pessoa com
crise aguda de dor lombar? Será que
ela vai melhorar? Será que vai ser observado um efeito clínico realmente
importante?
Vai,
vai sim. Depois de 4 a 6 semanas, especialmente, vai ser observado um efeito
clínico importante na maior parte das pessoas, ou seja, a maior parte delas vai
estar bem melhor, em termos de ter menor nível de dor e maior capacidade de se
movimentar. Haverá um EFEITO CLÍNICO
REAL, UMA MELHORA REAL!
Ótimo,
então casca de banana é um tratamento
realmente eficaz!!! Certo???
Errado!
É aí
que o bicho pega! Sem que nada seja feito, a maior parte das pessoas com uma
crise aguda de dor lombar vai melhorar significativamente em 4 a 6 semanas.
Veja bem, nada vai ser feito e essas pessoas vão melhorar! É um EFEITO CLÍNICO REAL, UMA MELHORA REAL!
Ué,
então qual o papel da casca de banana nesse efeito clínico?
Não
houve efeito clínico da casca de banana. Ela apenas camuflou a história natural e fez com que se pensasse que o efeito
clínico fosse originário dela. O efeito clínico real observado veio da história
natural da dor lombar. Veja que isso é mstrado em estudos de altíssima qualidade
(1, 2).
Agora,
substituam a casca de banana por TENS, Ultra-Som, etc... Entenderam a idéia?
O
mesmo vale para diversas outras condições de dor ou lesões. Se não mexer, não
forçar demais, tende a melhorar com o tempo. Pode não ser uma melhora que se mantenha, se forçar do
jeito que se fazia antes, provavelmente volta a doer (preferimos deixar para
discutir os tratamentos que funcionam, para cada condição, em outras situações).
Mas ocorre uma melhora real enquanto
nada for feito. Insistimos em salientar: isso não acontece em todos os casos,
mas numa grande variedade de situações é isso que ocorre!
Para
juntarmos o raciocínio da história natural com o da analgesia, vamos a mais um exemplo. Dessa vez mais focado na Fisioterapia Esportiva.
Vamos
falar agora da utilidade clínica da geléia de mocotó em pessoas com tendinopatia de aquiles aguda. Isso
mesmo, geléia de mocotó. A pessoa
tem dor após correr 15 km, e sente dores ao caminhar também. Seu tratamento
inclui interrupção da corrida e aplicação de geléia de mocotó que,
incrivelmente, tem propriedades similares às da casca de banana. A orientação é
de se passar geléia de mocotó 2 a 3 vezes ao dia e deixar por 15 minutos na
região do tendão. Depois de uma semana passando geléia de mocotó a dor ao
caminhar já não é mais sentida.
Qual
o raciocínio da "analgesia"? Hora de começar os exercícios!!! Geléia
de mocotó é a "analgesia"!!! Vejamos que a geléia de mocotó substituiu (novamente) o TENS, o Ultra-Som e
outros aparelhos. Ficar de repouso, ou melhor, não realizar a atividade que
causava os sintomas é que trouxe a melhora clínica, não o tratamento com geléia
de mocotó. Enfatizo, observem o que o "tratamento" (quer seja de
geléia de mocotó, Tens ou Ultra-Som) está fazendo: encobrindo, camuflando o que
iria acontecer se nada fosse feito.
Às
vezes a atitude mais ética que o Fisioterapeuta
pode fazer é orientar o paciente a esperar uma ou duas semanas, sem o esforço
que causa ou provoca os sintomas, para depois retornar e dar continuidade ao
tratamento.
Efeito Hawthorne
Efeito
Hawthorne é a melhoria sentida pelo paciente que ocorre devido a mudanças de
comportamento e não devido às intervenções clínicas em si. Por exemplo, uma
pessoa com dor patelofemoral começou
a realizar tratamento mas, sem a orientação do terapeuta, ao começar o
tratamento passou a diminuir as atividades que percebia que agravavam a dor
(ex: passou a subir de elevador ao invés de escada). Com isso começou a sentir
menos dores, independentemente do tratamento. É um EFEITO CLÍNICO REAL, UMA MELHORA REAL MAS QUE NÃO TEM RELAÇÃO COM A
INTERVENÇÃO QUE FOI APLICADA PELO PROFISSIONAL.
Efeito Placebo
Efeito
Placebo são melhorias que decorrem das expectativas ou sensações positivas a
respeito do tratamento. É uma melhora
clínica real que não advém da intervenção clínica. São efeitos que se
originam de todo ritual do tratamento. Por exemplo, o efeito placebo ocorre
pelo fato de se estar recebendo um tratamento que se acredita ser efetivo
(mesmo que não o seja), mas também pelo ambiente em que isso ocorre (um
ambiente profissional, que dê a impressão de competência, pode gerar um efeito
mais significativo), pela forma como o terapeuta fala ou se veste, e assim por
diante. Existe um efeito neurofisiológico real, já observado em estudos sobre o
tema. Mais uma vez, é um EFEITO CLÍNICO
REAL, UMA MELHORA REAL que acontece. Embora essa melhora ou efeito não
sejam muito significativos, estão presentes.
O
que vimos, então, são três origens para EFEITOS
CLÍNICOS REAIS, MELHORAS REAIS que ocorrem, mas que não são decorrentes do
tratamento realizado. Salienta-se que essas três origens se somam para produzir
efeitos clínicos que não se originam do tratamento, mas de fatores externos a
estes. Como não se originam do tratamento, são efeitos inespecíficos do tratamento. E, como estamos enfatizando,
são EFEITOS CLÍNICOS E MELHORAS REAIS.
"Mas pra mim funciona!"
Essa
é a uma resposta comum quando terapeutas que não entendem a importância do uso
das evidências científicas são
confrontados com as mesmas. "Pra mim funciona!" é uma resposta vazia,
pois o "funcionar" pode estar se originando, justamente, desses
efeitos não relacionados ao tratamento. Portanto, é de importância crítica que
o profissional da saúde esteja consciente desses efeitos inespecíficos e prime
pela utilização de evidências científicas de alta qualidade no atendimento de
seus pacientes.
A importância da comparação com o "placebo" nos estudos
científicos.
Nas
pesquisa científicas é fundamental, para analisarmos se um determinado
tratamento funciona, a comparação com o placebo. O placebo, no caso, é um
tratamento sem efeito clínico. Porém, ele mimetiza o tratamento real que está
sendo feito. Um exemplo seria a aplicação de Laser real em um grupo de pessoas,
e no outro, a aplicação do Laser, desligado (mas feito de forma que pareça
estar funcionando) para o outro grupo avaliado. Com isso conseguimos, ao
"subtrair" os efeitos do placebo daqueles do Laser real, verificar o
que foi, de fato, efeito do tratamento. A
melhora observada no grupo placebo será devido a todos esses efeitos
inespecíficos do tratamento que falamos até agora. Ao subtraí-la do
benefício obtido pelo Laser real verificamos o que foi "real" do tratamento.
A partir do próximo texto, vamos analisar artigos que investigaram a
"analgesia" e ver se ela foi ou não benéfica.
Em
primeiro lugar iremos buscar revisões sistemáticas e meta-análises. Depois
disso, caso se tenha resultados significativamente positivos, iremos analisar
estudos individuais e os efeitos clínicos presentes dentro destes. Quando não
for possível encontrar esses dois tipos de estudos, buscaremos utilizar somente
estudos de qualidade metodológica de moderada a alta (escala PEDRO de valor 6
ou mais). Nosso objetivo é ver se os recursos
terapêuticos, utilizados de forma preliminar - ou simultânea - a um tratamento
mais ativo, adicionam benefícios clínicos significativos a esses tratamentos.
Não estamos falando do resultado a curtíssimo prazo, ou seja, uma diminuição da
dor imediatamente após o tratamento (até 1 semana após o final). A questão é se esse efeito vai adicionar a
resultados clínicos das intervenções ativas ou se vai se manter ao longo do
tempo. Destacamos que não estamos descartando a importância de se dar
conforto ao paciente (que seria essa melhora logo após o tratamento), mas nos
focando na existência ou não de efeitos significativos da "analgesia"
dentro do objetivo de melhora clínica real do paciente e acima dos efeitos
inespecíficos do tratamento.
Continuem nos acompanhando!
Referências Bibliográficas
1. Artus M,
van der Windt D, Jordan KP, Croft PR. The clinical course of low back pain: a
meta-analysis comparing outcomes in randomised clinical trials (RCTs) and
observational studies. BMC Musculoskeletal Disorders. 2014;15(1):68.
2. Menezes Costa L d. C, Maher CG, Hancock MJ, McAuley JH,
Herbert RD, Costa LOP. The
prognosis of acute and persistent low-back pain: a meta-analysis. Canadian
Medical Association Journal. 2012 Aug 7;184(11):E613–24.
Trazer um artigo que não acrescenta muito positivamente à fisioterapia (comprovando bom resultado) parece-me um desserviço. Haja visto há atuais comprovações científicas dos recursos eletrotermofototerapêuticos como de fato favoráveis à terapia. NO ENTANTO, entendo que questões similares a essa, quando não comprovadas, exigem-se, de fato, questionamentos e estudos para aplicação terapêutica com respaldo científico, segurança e melhora clínica, para não levar totalmente pro lado do empirismo... Não quero dizer que o seu texto é um desserviço, porém é provocativo... Sou da linha de considerar que vivências e experiências clínicas são favoráveis à terapia quando não provocam prejuízos ao paciente.
ResponderExcluirAlém disso, algo que parece fugir do contexto, mas que pode confirmar o que quero afirmar é: O saber do povo tem sim seu valor, mesmo que não haja realmene embasamento científico. Dou grande valor ao social, a saúde popular, pois eles têm sim importância e sentido real ao que se refere a recuperação de saúde. Sendo assim, esses recursos supracitados são, sem dúvida, importantíssimos para aplicações com fins terapêuticos.
Ola Rai, obrigado pelo seu comentário.
ExcluirO que estamos querendo discutir é, justamente, as supostas comprovações que muitos alegam. Esse foi um texto introdutório, no qual levantamos algumas questões. A série de artigos continua.
A questão do saber do povo é muito questionável. Te digo isso com base mesmo na Fisioterapia. Muito do "saber do povo" não tem se sustentado na hora em que é testado cientificamente. Você gostaria, sendo paciente, de receber um tratamento inefetivo, não testado, simplesmente porque alguém achou que era útil? Ou você prefere aquilo que é cientificamente testado?
Veja que uma coisa é você respeitar e levar em consideração as opções e a individualidade de seu paciente. Outra coisa é você aplicar recursos simplesmente porque alguém disse que funciona ;)
Um abraço,
Claudio
Ótimo texto e reflexões. Em minha dolorosa opinião, os fisioterapeutas tem dificuldade de eleger a melhor modalidade analgesica para os pacientes e por isso aproveitam o efeito placebo e outros efeitos inseridos em qualquer meio de traramento
ResponderExcluirOlá Pada, obrigado por seu comentário.
Excluirantes de aplicarmos medidas analgésicas temos de saber, de fato, se são ou não benéficas e em quais situações. Vamos discutir isso nos próximos artigos da série.
Um abraço,
Claudio
Fala Cláudio!
ResponderExcluirConcordo contigo em grande parte. Só acho que não devemos pensar na eletromodulação da dor como tratamento. É super válida (para quem domina os fundamentos da eletroterapia) como moduladora da dor, promotora de alívio e conforto momentâneo. Muitas vezes é muito complicado gerar alívio e conforto somente com manipulação e exercícios. E se você não alivia rápido a dor intensa... perdeu o tratamento e o paciente. O Alívio rápido, mesmo que momentâneo é o X da questão para ganhar a empatia e a adesão, não acha? Assim como o uso da dipirona, já que nenhum médico elabora um plano terapêutico somente prescrevendo dipirona. A eletroterapia ao meu ver é uma ferramenta interessante, integrante, mas, não produz efeito a longo prazo, deve ser associada às demais. Abraço querido!
Olá Rodrigo! Obrigado por seu comentário.
ExcluirConcordo contigo que usar a eletroterapia em conjunto com outros tratamentos é uma estratégia terapêutica possível. Porém, isso deve sempre ser feito (como mencionado no texto) de forma absolutamente transparente e honesta para o paciente. Outro aspecto que acho fundamental destacarmos é se, de fato, a eletroterapia está trazendo benefícios sólidos no tratamento, e se realmente está auxiliando nessa adesão. Será que, de fato, ocorre maior adesão, ou temos essa impressão equivocada? Os estudos não mostraram esses benefícios. É algo que seria refletido no resultado dos ensaios clínicos. Será que não existem outras estratégias de analgesia ou obtenção da adesão dos pacientes? Coisas a refletir.
Um abraço!
Claudio