29/12/2017

Resposta ao Blog Recorrido sobre a Fisioterapia





Essa é a primeira vez que escrevo um "artigo resposta", ou seja, uma resposta a um artigo escrito em outro local. No caso, me refiro ao Blog Recorrido, de autoria do Danilo Balu, que é formado em Esporte e também em Nutrição pela USP. O assunto mais recorrente no blog em questão é a corrida, e a Fisioterapia (para corredores) acaba sendo, eventualmente, tema dos artigos. E quando a Fisioterapia é criticada de uma forma que considero inadequada, sempre procuro responder.

Eu já havia respondido ao Danilo Balu antes, porém, foi no próprio facebook. Aproveita, entra lá, me adiciona, e leia aquiFoi referente ao artigo "Sobre tênis, atenção e sentir-se especial". Questiono muita coisa do texto dele no que se refere à Fisioterapia.

Mas, recentemente, foi publicado um novo texto no Blog Recorrido, chamado "O melhor método para prevenção e reabilitação de lesões". É um ótimo texto, curto, simples, direto ao ponto e cheio de verdades. Concordo muito com o direcionamento do texto. Mas há divergências.

Antes, porém, destaco o ponto principal que é a questão do "faça intervenções". Fazer intervenções desnecessariamente se chama, na área da saúde, de OVERTREATMENT isso pode ser prejudicial em diversos aspectos. Em primeiro lugar, o custo de tempo e dinheiro para a realização e aplicação de condutas inúteis. Em segundo lugar, o estabelecimento de crenças de que essas condutas são necessárias (fazendo o atleta achar que precisa recebê-las quando tem uma lesão como, por exemplo, aplicação de tens - eletroanalgesia - nem sempre é útil, mas muitas vezes acredita-se que é importante aplicá-la - já falamos disso no nosso texto de analgesia. Outro exemplo, exercícios de propriocepção no disco de equilíbrio pra prevenção, o que, especialmente na ausência das verdadeiras orientações preventivas, estabelece a crença de que esse tipo de treino é fundamental). Em terceiro lugar, prejuízo direto do excesso de condutas (pelo risco de dosagem excessiva). Quarto, por "enganar" (intencionalmente ou não) o paciente em relação à história natural e outros aspectos de sua dor ou lesão, sobre os quais é responsabilidade do Fisioterapeuta orientar e ensinar o atleta ou paciente. Por último, mas não por menos, pela ausência de ênfase naquilo que realmente importa para o tratamento ou prevenção.


Mas é fundamental destacar que, em muitas situações, intervenções diretas (da chamada pelo autor de "via positiva") são SIM necessárias. O fato de não serem sempre necessárias não quer dizer que nunca o sejam. Muito pelo contrário. Por outro lado, as orientações da chamada "via negativa" também são prerrogativas do Fisioterapeuta. Orientar o paciente apenas a diminuir a carga ou volume, ou mesmo repousar, quando necessário, são intervenções da Fisioterapia também. A questão de qual utilizar varia de situação clínica para situação clínica. O profissional deve ser ético, atualizado e competente para saber quando utilizar qual conduta. Que fique claro, não é a Fisioterapia que está sendo criticada, é aquilo que certos profissionais aplicam e que o Danilo Balu pode bem observar. Falo mais dessas diferenças entre Fisioterapia e fisioterapia ao final.


Vamos aos três pontos principais, que são: 1. questionamento à individualização; 2.a crítica à observação e análise da corrida; e 3. ao uso das esteiras.

Vamos começar pelo último. O uso das esteiras, quando trabalhamos com a reeducação do gesto esportivo da corrida, pode ser extremamente útil, pois permite o feedback em tempo real e a homogeneização da velocidade. Ou seja, podemos verificar se as alterações que desejamos produzir no movimento foram conseguidas para uma velocidade específica.  Quando isso é feito fora dela, o atleta pode, eventualmente, conseguir uma mudança no movimento, mas cuja origem é a alteração de sua velocidade. Na esteira isso não acontece. Enfatizamos, porém, que a necessidade de correção da biomecânica da corrida é superestimada demaaaaais. Ela é necessária num número de situações muito menor do que muitos pensam.

Em relação á individualização do tratamento eu até entendo o que o Danilo Balu se refere, que é o excesso ou o uso fútil da individualização. Isso também é OVERTREATMENT, como falamos acima. Porém, algum grau de individualização ocorre em todos os tratamentos. Cada atleta de corrida tem uma necessidade. Tem gente que temos de orientar (e ensinar) a fortalecer, tem gente que tem dores que necessitam de tratamentos específicos (como um exercício muito específico que ele tem de repetir), tem atletas que vão sim se beneficiar de uma mudança na forma como realizam seus movimentos da corrida, tem gente que precisa conversar pra se tranquilizar, tem gente que precisa de informação sobre sua dor ou lesão, tem outros que necessitam de uma combinação desses aspectos e assim por diante. . Tem gente que recebe a orientação e realiza a conduta por conta própria. Tem outros que precisam de acompanhamento. Existe uma grande heterogeneidade das pessoas (e atletas).  Esse tipo de esclarecimento se faz necessário pois o texto dá a entender que as pessoas, e suas lesões ou dores, são muito homogêneas ("ainda que não haja nada de especial em uma dor comum"). Isso não é verdade. Uma coisa é se questionar o comportamento das pessoas (como se questionou no artigo do Blog Recorrido que citamos no início do texto - e para o qual já respondemos), outra é se questionar o comportamento dos profissionais da saúde (o que é justíssimo) feito no texto mais atual. Mas isso não pode ser feito às custas da imagem da Fisioterapia como ela deve ser realizada - com integridade, através de profissionais atualizados e competentes. Dêem um outro nome a essas ações e comportamentos que exploram os pacientes, mas não chamem de Fisioterapia.

Por último, a respeito da observação e análise do movimento, cada vez surgem mais evidências de que a observação 2D é confiável (MAYKUT et al (2015), ESCULIER et al (2016), CREABY et al (2017), MEYER et al (2017)), que podemos prevenir através da mudança do movimento (CHAN et al (2017))  e de que somos capazes de obter efeitos clínicos significativos através da mudança do  gesto esportivo da corrida (aí tem tanta coisa que nem vou colocar os links).

Enfatizados esses três pontos, vamos aos outros detalhes.

Tratamento complexo: difícil julgar a complexidade mas, via de regra, os tratamentos de corredores são simples, focados em aspectos específicos. Dar 50 exercícios diferentes é improdutivo. Devemos entender o que o atleta necessita e atendermos, de forma precisa, a essa necessidade. Concordo em relação a esse aspecto, mas enfatizo a dificuldade de julgar.

Nomes pomposos, "tipo POSTUROLOGIA": é o marketing, ou um marketing. Inventar nomes novos para coisas de sempre é recorrente na área da saúde. Concordo com o Danilo Balu. Infelizmente o nome FISIOTERAPIA está, ao meu ver, superdesvalorizado. As pessoas acham que é uma técnica ou tratamento genérico quando, na verdade, é uma profissão e uma ciência. Daí muitos preferem enfatizar o nome de técnicas e métodos.

Uso de avental: não entendi o problema. Uso de avental é rotina por parte de clínicos das mais diversas áreas da saúde. Ou devem usar camisa regata, bermuda, chinelo e fumar charuto na hora de atender? Não tenho nada contra o uso de avental, embora eu não use.

Que fique claro: eu acho ótimo quando criticam a Fisioterapia. Tem muito a ser criticado nela, mas tem muito a ser louvado que muitos não conhecem ou não destacam. Achei ótimo ler uma crítica de um profissional não Fisioterapeuta, mas que a analisa e procura encontrar suas falhas. Quisera os Fisioterapeutas fizessem mais isso. Teríamos uma Fisioterapia mais efetiva, mais conceituada e mais reconhecida. Enquanto isso não acontece, vamos seguindo com o pensamento de que Fisioterapia é aquilo realizado por clínicas ditas "de convênio", de que fisio preventiva é a realização de exercícios de propriocepção no disco de equilíbrio, de que aparelhinho é fundamental no tratamento, vamos achando que o Fisioterapeuta depende de outros profissionais pra exercer suas atividades e tantos outros equívocos. Dá pra falar por páginas e páginas, e com evidências, do que é e da importância da Fisioterapia e de sua utilidade. Deixamos isso pra outra oportunidade.

A verdade é que aquilo que as pessoas vêem e definem como fisioterapia é diferente daquilo que eu vejo e defino como Fisioterapia. Como disse, é uma profissão e uma ciência, e só é Fisioterapia aquela que, de fato, se embasa em ciência de alta qualidade. Talvez isso explique as divergências supracitadas. 


E você, o que achou disso tudo? Coloque aí nos comentários.

PS: o Danilo Balu respondeu. Leia clicando aqui.


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