Uma pergunta para a qual não se tem uma resposta e que, na verdade, pode ter várias respostas: na Dor Patelofemoral (erroneamente chamada de condromalácia patelar), de onde vem a dor?
O que gera dor dentro do joelho?
Você
seria capaz de se submeter a um procedimento
cirúrgico, em consciência, no qual seu joelho seria "aberto" e as
estruturas dele seriam estimuladas para se descobrir de onde vem a dor?
Pois
bem, o cientista Scott Dye se submeteu a isso (1). Ele mesmo apresentava grau 2 a 3 de condropatia (na patela),
sem sintomas.
Basicamente,
apenas com anestesia local, foi
feita uma artroscopia, na qual as estruturas eram pressionadas e ele relatava a
intensidade e o tipo de dor sentida.
Em
relação à classificação utilizada,
graduaram de 0 a 4 o que era sentido. Em 0, nada era sentido. Em relação aos
outros valores:
1=consciência
não-dolorosa;
2=desconforto
leve;
3=desconforto
moderado;
4=dor
intensa.
Essa
classificação era subclassificada em:
A=localização
espacial precisa;
B=sensação
imprecisa.
A cartilagem articular da patela, nas
regiões medial e lateral apresentou nível 0, na parte inferior ("odd
facet"), apresentou nível 1B.
A cartilagem do fêmur e da tíbia (tróclea
femoral, côndilos femorais ou platôs tibiais) apresentou sensação de 1B a 2B.
Estruturas
ao redor da patela, como a bursa
suprapatelar, os retináculos medial e lateral e a cápsula articular geraram
sensação de 3A a 4A. A gordura de Hoffa
e a membrana articular geraram sensação
4A.
Os ligamentos cruzados anterior e posterior
apresentaram sensações de 1B a 4B. Os meniscos
apresentaram sensações de 1B a 3B, sendo as maiores intensidades nas bordas
externas.
O
que isso nos mostra? Que diversas são as estruturas do joelho que podem gerar
dor e incômodo. Porém, o máximo que as cartilagens
(da patela, fêmur ou tíbia) apresentaram foi a sensação de desconforto impreciso leve. Outras estruturas, como a gordura de Hoffa, a bursa suprapatelar e os
retináculos apresentaram sensações bem mais intensas.
Pra quem quiser ver uma ilustração esquematizando esses achados, acesse o site do próprio autor do autor principal desse estudo.
Pra quem quiser ver uma ilustração esquematizando esses achados, acesse o site do próprio autor do autor principal desse estudo.
Se
formos considerar as estruturas que geraram dor nesse experimento, considerando
os sintomas clínicos da dor
patelofemoral, seria muito mais plausível assumirmos que a dor está se originando de estruturas
como as últimas mencionadas do que da cartilagem.
A Ressonância Magnética e a Dor Patelofemoral
Um
dos exames que mais vemos sendo recomendados para indivíduos com dor patelofemoral é a ressonância
magnética. Será que ela nos ajuda a distinguir a origem da dor?
Já
vimos que atletas sem sintomas têm alterações nos exames de imagem. Esses
estudos, porém, não eram específicos da articulação
patelofemoral. Num estudo que comparou as alterações do joelho de
indivíduos com dor patelofemoral,
comparando-as com indivíduos sem dor, através do exame da ressonância, não se
observou diferença entre ter alterações e ter ou não ter a dor (2). De fato, mesmo alterações da gordura de Hoffa não foram diferentes
entre os grupos. Se a relação entre alteração das estruturas, conforme a
ressonância mostra, e a dor
patelofemoral fosse realmente importante, deveria não apenas ter havido uma
diferença entre os grupos, como as pessoas com alteração deveriam ter dor. Uma
outra análise feita com esse mesmo grupo de indivíduos mostrou, inclusive, que a
composição da cartilagem da patela
parece não ter ser diferente entre aqueles com e sem dor patelofemoral (3). Um outro estudo mostrou que a intensidade da
dor não tem relação com a
intensidade das alterações da cartilagem (4).
O grande segredo da cartilagem
A cartilagem não é inervada (5). Não
sendo inervada, não há como ser fonte de dor.
Então de onde vem a dor?
Não
sabemos ao certo, mas existem vários aspectos a serem considerados. Diversas
estruturas do joelho têm o potencial de gerar dor (6), como citamos
anteriormente. Usualmente a dor é sentida a partir de um estímulo dessas
estruturas, estímulo esse que chega ao cérebro e, então, é interpretado como
sendo dor (esse é um processo bem complexo, não é nossa intenção destrinchá-lo
aqui nesse texto). Porém, existem situações em que a dor sentida passa a ser
excessiva perante o estímulo fornecido, nessas situações pode-se ter o que se
chama de sensibilização central (7)
que, basicamente, significa que há uma maior predisposição em sentir dor. Não vamos nos focar nesse aspecto da
sensibilização central agora (iremos mais à frente). Vamos voltar a falar de
estruturas que podem estar gerando a dor.
Falamos
de várias delas quando mencionamos o experimento realizado no joelho, no início
do texto. Uma das que não falamos que é, possivelmente, uma estrutura que pode
estar gerando (ou contribuindo) com a dor na dor patelofemoral é o osso.
O
osso é bastante inervado (5) e, dessa forma, pode gerar dor. Sua compressão,
durante os movimentos de dobrar ou esticar o joelho, poderia estar gerando a
dor. Existem evidências, baseadas em exames como cintilografia óssea, que estão
sugerindo que o aumento da atividade metabólica do osso está relacionado com a
presença de dor em indivíduos com dor patelofemoral (8, 9, 10).
Ou
seja, o osso é outra possibilidade.
Mas, além de não ser possível confirmá-lo como sendo a origem das dores.
Como
podemos ver, não é uma pergunta que se responde de forma precisa. O "não sei
a origem da dor" é a resposta mais exata que temos no momento. Embora o osso da patela e os outros tecidos redor
dela, possam responder a essa pergunta, ainda assim responderia apenas
parcialmente, pois existem situações, em indivíduos caracterizados como tendo dor patelofemoral, onde há um aumento
da sensibilidade à dor. E é sobre isso que vamos falar no próximo artigo.
Referências
Bibliográficas
1. Dye SF, Vaupel GL, Dye CC.
Conscious neurosensory mapping of the internal structures of the human knee
without intraarticular anesthesia. Am J Sports Med. 1998
Dec;26(6):773–7.
2. van der Heijden RA, de Kanter
JLM, Bierma-Zeinstra SMA, Verhaar JAN, van Veldhoven PLJ, Krestin GP, et al.
Structural Abnormalities on Magnetic Resonance Imaging in Patients With
Patellofemoral Pain: A Cross-sectional Case-Control Study. The American
Journal of Sports Medicine. 2016 Sep 1;44(9):2339–46. 2.
3. van der Heijden RA, Oei EHG, Bron
EE, van Tiel J, van Veldhoven PLJ, Klein S, et al. No Difference on
Quantitative Magnetic Resonance Imaging in Patellofemoral Cartilage Composition
Between Patients With Patellofemoral Pain and Healthy Controls. The
American Journal of Sports Medicine. 2016 May 1;44(5):1172–8.
4. Pihlajamäki HK, Kuikka P-I,
Leppänen V-V, Kiuru MJ, Mattila VM. Reliability of Clinical Findings and Magnetic
Resonance Imaging for the Diagnosis of Chondromalacia Patellae: The Journal of
Bone and Joint Surgery-American Volume. 2010 Apr;92(4):927–34.
5. Junqueira
LC, Carneiro J. Histologia basica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995.
6. Biedert RM, Stauffer E,
Friederich NF. Occurrence of free nerve endings in the soft tissue of the knee
joint. A histologic investigation. Am J Sports Med. 1992
Aug;20(4):430–3.
7. Nijs J, Torres-Cueco R, van
Wilgen CP, Girbes EL, Struyf F, Roussel N, et al. Applying modern pain
neuroscience in clinical practice: criteria for the classification of central
sensitization pain. Pain Physician. 2014 Oct;17(5):447–57.
8. Sequential Radionuclide Imaging
of the Patellofemoral Joint in Symptomatic Young Adults S. F. Dye, MD, P. K.
Peartree, MD--San Francisco, California. The American Journal of Sports
Medicine. 1989 Sep 1;17(5):727–727.
9. Draper CE, Fredericson M, Gold
GE, Besier TF, Delp SL, Beaupre GS, et al. Patients with patellofemoral pain
exhibit elevated bone metabolic activity at the patellofemoral joint. Journal
of Orthopaedic Research. 2012 Feb;30(2):209–13.
10. Ro DH,
Lee H-Y, Chang CB, Kang S-B. Value of SPECT-CT Imaging for Middle-Aged Patients
with Chronic Anterior Knee Pain. BMC Musculoskeletal Disorders [Internet]. 2015
Dec [cited 2016 Nov23]; 16(1).Available from: http://bmcmusculoskeletdisord.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12891-015-0628-9
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seja bem vindo em comentar e dividir sua opinião. Pedimos apenas que seja respeitoso com todos e que se identifique através de seu nome, profissão e e-mail.
Comentários sem identificação serão moderados e/ou deletados.