Vimos,
no texto anterior, que identificar, com precisão, de onde vem a dor na dor
patelofemoral (a famosa "condromalácia") não é tão simples assim.
Vamos ver um pouco mais sobre a sensibilização central que mencionamos antes.
Um
estudo realizado na Dinamarca observou que mulheres
adolescentes com dor patelofemoral parecem mais sensíveis à dor, mesmo em
regiões distantes ao joelho (1). Um estudo brasileiro também observou o mesmo (mas em
mulheres adultas), porém, adicionou que essa sensibilidade distante do joelho não é afetada por atividades
(subir e descer escadas com peso extra ao corpo) que forcem a articulação (2). Mulheres praticantes de corrida, com
dor patelofemoral, também parecem
apresentar maior sensibilidade em relação a mulheres corredoras sem dor (3). Além disso, aquelas com dor a mais tempo parecem ser as com maior sensibilidade (4).
Uma
das origens dessa sensibilidade foi analisada por outra pesquisa (4), com
mulheres que tinham dor patelofemoral,
comparadas a quem não tinha dor. Um dos testes teve por objetivo analisar o
funcionamento da Modulação Condicionada da Dor.
A Modulação Condicionada da Dor é uma
manifestação da "analgesia endógena", mecanismos de controle da dor
que o corpo dispõe no qual libera substâncias que inibem certos estímulos
potencialmente dolorosos de chegar ao SNC. Se manifesta através de situações
nas quais um estímulo doloroso prévio diminui a sensação de dor (ou aumenta o
limiar em que a dor é percebida) de um estímulo aplicado em sequência (5). Vale ressaltar
que é esperado, em pessoas saudáveis, que haja essa modulação, e que sua
diminuição costuma estar relacionada a condições de dor, como fibromialgia e
outras (5).
No
teste utilizado no estudo (4), um estímulo doloroso é aplicado e, enquanto este
está presente, se observa a resposta de outros estímulos dolorosos. O
raciocínio é basicamente esse. No estudo em questão, a avaliação foi feita
usando manguitos de pressão para gerar dor. O que os pesquisadores observaram é que o limiar de percepção da dor (em que intensidade de pressão a dor começava a ser sentida) e a tolerância a ela foram significativamente maiores nas pessoas
sem dor patelofemoral, o que sugere que as pessoas com dor patelofemoral
apresentam uma menor Modulação
Condicionada da Dor. Isso não quer dizer que todas as mulheres com dor patelofemoral apresentem essa
alteração mas, na média, parece ser isso que acontece.
Vale dizer que um
outro mecanismo de sensibilização à dor, no caso, a "somação
temporal" (estímulos dolorosos feitos em sequência trazem aumento da dor) não se
demonstrou aumentado em relação ao grupo sem dor patelofemoral (4).
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Se
você tem dor patelofemoral, ou se é
um clínico que atende pessoas com dor
patelofemoral (seja do esporte, ortopedia ou reumatologia), saber que existe
esse tipo de sensibilização à dor é importante, pois acrescenta à compreensão
do que, realmente, está acontecendo. Já vimos que as alterações observadas no exame de imagem têm pouca importância e que são várias as estruturas que podem estar gerando dor, e agora vimos que a dor pode estar tendo outra origem ou
sendo potencializada por outros mecanismos. Não iremos tocar no assunto, por
enquanto, mas existem formas de se
"tratar" essa diminuição da modulação da dor.
Aos leigos e pessoas com dor patelofemoral:
fica a sugestão de não dar tanta atenção
aos exames de imagem e à cartilagem, como vimos anteriormente.
Aos profissionais: fica a mensagem de que
temos de entender que a dor patelofemoral é mais complexa, e conhecer seus
mecanismos pode nos ajudar a orientar e
tratar melhor nossos pacientes.
Referências
Bibliográficas
1. Rathleff MS, Roos EM, Olesen JL,
Rasmussen S, Arendt-Nielsen L. Lower Mechanical Pressure Pain Thresholds in
Female Adolescents With Patellofemoral Pain Syndrome. Journal of Orthopaedic
& Sports Physical Therapy. 2013 Jun;43(6):414–21.
2. Pazzinatto
MF, de Oliveira Silva D, Barton C, Rathleff MS, Briani RV, de Azevedo FM. Female Adults with Patellofemoral
Pain Are Characterized by Widespread Hyperalgesia, Which Is Not Affected
Immediately by Patellofemoral Joint Loading. Pain Medicine. 2016
Oct;17(10):1953–61.
3. Pazzinatto
MF, de Oliveira Silva D, Pradela J, Coura MB, Barton C, de Azevedo FM. Local and widespread hyperalgesia in
female runners with patellofemoral pain are influenced by running volume.
Journal of Science and Medicine in Sport [Internet]. 2016 Nov [cited 2016 Nov
23]; Available from: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S1440244016302043
4. Rathleff MS, Petersen KK,
Arendt-Nielsen L, Thorborg K, Graven-Nielsen T. Impaired Conditioned Pain
Modulation in Young Female Adults with Long-Standing Patellofemoral Pain: A
Single Blinded Cross-Sectional Study. Pain Medicine. 2015 Dec 14;pnv017.
5. Nir R-R, Yarnitsky D. Conditioned
pain modulation: Current Opinion in Supportive and Palliative Care. 2015
Jun;9(2):131–7.
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